Amargurada, esta é a palavra que me definiu na última sexta-feira.
Durante toda esta semana que passou, minha mãe ligou perguntando se eu iria ver meu pai no domingo e eu fui enrolando a semana inteira, com as mais diversas desculpas, pois não poderia dizer simplesmente que estava com preguiça de viajar. Na quinta, antes de dormir me deu um "plim", e com uma sensação de "filha de chocadeira", comecei a pensar nas pessoas que perderam seus respectivos pais, e que por alguma razão daria tudo pra estar com eles, todos os dias, e não só neste domingo...fiquei muito mal, tipo consciência pesada, e dormi com pensamentos assombrosos, e a certeza que na sexta enfrentaria mais uma vez a rodoviária.
Sexta-feira, primeiro pensamento do dia - Oh, oh...fodeu...maldita chuva, tipo tudo o que não choveu no mês de julho, resolveu cair nesta sexta. Mas como meu raciocínio é extremamente lento, achei que a chuva não atrapalharia em nada. Trabalhei igual a uma camela (sem direito a água!), e saí voando em direção a minha casa, pensando que daria tempo pra uma chuverada e um lanchinho rápido.
Chuverada rolou, mas o lanchinho ficou enroscado, a partir do momento que eu cismei que tinha que encontrar meu sobretudo marrom.
- Ahhh $%¨**()&¨%$#@!. Onde foi parar essa porcaria, caraca 18:20, tenho que correr.
Não sofreria tanto se tivesse procurado na roupa de passar...legal ele estava limpo, cheiroso, mas faltava passar...oww mer-da 18:45 e eu aqui correndo feito uma sem-teto em dia de invasão. Infelizmente o telefone tocou, era minha carona que estava chegando, deixei quieto o sobretudo, vai um casaco mesmo, uma saia e pensem numa burrice multiplicada por um milhão, saí com os "cambitos" de fora, sem meias, seria trágico se não fosse cômico.
19:10 estava eu na rodoviária, sozinha, e minha passagem era para 19:40. O que fazer? Comer? Ler? Cochilar? Ave maria que frio da pêga...resolvi comer, tremendo e fui sentar bem de frente ao portão de embarque. Uma gentinha estranha, uma "malaiada" terrível, e eu segurando apenas uma bolsa, já que minha irmã levara minha mala dias antes...
19:40 Legal o ônibus deve estar chegando.
19:50 Xii tá atrasado.
20:05 Que saco, tô morrendo de frio, e esse gordinho bem que podia olhar pro lado de lá e parar de me olhar, com esses olhos de EU SEI O FRIO QUE VOCÊ PASSOU NO INVERNO PASSADO.
20:15 Logo agora vai me dar dor de barriga?
20:25 Será que se eu correr no banheiro eu vou perder esse maldito ônibus?
20:45 Mãe? Pode demorar bastante pra me buscar, a PQP do ônibus já está há mais de uma hora atrasado, culpa da chuva...Beijos...Te Amo!
Entrei no ônibus regozijando de azedume, deixa me ver, 15, 18 - Ahh legal a minha poltrona é a 21 na janela, e óbvio não poderia ser diferente já tinham pegado meu lugar. Como quem não queria nada, perguntei (er, cof, cof) - Será que a SENHORITA não está no lugar errado? Depois de muitas desculpas e de mostrar que outra infeliz tinha pego seu lugar também, me sentei na poltrona 21 e me senti a última das bruxas, já que todos que encontraram seu respectivos lugares ocupados simplesmente sentaram em outro qualquer, e eu com meu maldito azedume, fiz uma "tropa" inteira resmungar e trocar de lugar. Como eu sou do mal.
Estaria tudo perfeito, se o silêncio reinasse e eu pudesse tirar um cochilo pra esquecer o frio, ledo engano, sentou um casal de "maritacas" atrás da minha poltrona, e lá vamos nós as apresentações:
Ela: (baranga, loira e boca aberta) Olá, meu nome é Rosana, tenho 28 anos, casada, mãe de 03 filhos, a mais velha WALESCA com quatorze anos, o do meio WESLEI com sete e o mais novinho é o Anderson (ufaaa) com quatro, deixa eu te mostrar as fotos.... Casei aos treze (e eu que sempre me achei precoce) e fiquei viúva ao dezoito (antes tivesse sido assim). Casei novamente com dezoito (burra) e vivo feliz até hoje. Meu signo é leão, e eu gosto de falar demais (NÃOOO!), adoro sair, mais bati o carro faz umas duas semanas, também tenho três meses de carta.....e blá, blá, blá, blá, blá, blá.
Ele: (gracinha, perfumado e um pavão) Prazer, meu nome é Kauê (?), tenho 23 anos, solteríssimo da silva, não devo nada pra ninguém, faço faculdade em S. Bernardo e moro em Campinas, e blá, blá.
Vejam bem o blá, blá dele sempre menor do que o dela, e ele pela graça do bom Deus falava baixo, já ela era um escândalo, seu celular tocava a cada cinco minutos, sempre o "Mozão" dela querendo saber onde ela estava, isso a cada curva que fazíamos. Se eu tivesse uma bomba juro por Deus que faria um estrago naquela sexta, sendo assim fui fazendo uma prece silenciosa para que recaísse sobre aquela alma, um sono daqueles tipo sonolência de endoscopia. Ouvi algumas músicas, falei um pouco ao celular, e para minha surpresa o silêncio reinou no banco de trás. Graças ao bom pai, reclinei minha poltrona pra um cochilo e como meu maldito ouvido aguçado não poderia deixar passar despercebido, comecei a ouvir uns suspiros, umas "lambetices", e não pude acreditar, os dois estavam se engolindo bem atrás de mim.
Cinco minutos atrás ela falava com o mozão dela, e ele ao lado ouvindo. Onde está o bom senso do ser humano? Tirando o fato de que abomino traições, ele como uma pessoa instruída deveria ter percebido que ela era uma verdadeira chave de cadeia, afinal era só fazer as contas, 28 anos, filha de quatorze...a máxima foi na hora de trocar os telefones:
Ele: Anota aí meu número 7755........
Ela: Sabe onde anoto telefones? No calendário do celular (pausa dramática), é o único lugar que meu marido não fuça....
Não preciso nem dizer que a viagem foi incrível, que adorei...e na saída não resisti, ao levantar pra descer, com a maior cara de tacho, olhei para o pavão (já que a boca aberta descera na parada anterior), e disse:
- Bom, pelo menos você encontrou uma maneira de fazer ela calar a boca!